Por que estudar Filosofia?

 

 

A Filosofia é um debate sem fim, antigos e novos problemas são formulados e reformulados assim como as soluções propostas. Tal como um jogo de xadrez, cujo objetivo aparente é a vitória, contudo, tão logo esta se dê, tem início uma nova partida, revelando que a vitória era um pretexto para o incessante movimento, sagaz e ardiloso, das peças. O autêntico objetivo é a experiência da admiração, o encantamento das novas concepções das questões, dos métodos e das respostas. Cada elaboração de um filósofo é, a um tempo, objetada, aproveitada e reformulada por seu sucessor. 

Assim fez Descartes, a partir do enorme cabedal deixado por gregos e medievais; porém, as edificações teóricas cartesianas foram logo pilhadas por seus herdeiros que aproveitaram o material para tenros engenhos, como fizeram, por exemplo, Locke, Leibniz e Hume. Kant, o grande inovador, aproveitou-se de tudo por meio da rejeição de tudo. Hegel submeteu a edificação kantiana a uma outra lógica, originando um sistema a que Marx inverteu por estar, a seu juízo, de ponta cabeça. Freud acrescentou novos materiais, que em breve foram amalgamados àqueles antigos, pelos pensadores de Frankfurt. Tal qual uma grande cidade, as ruas não param de sofrer alargamentos, bloqueios, estreitamentos, conexões, seja por pequenas travessas, seja por grandes elevados. A rede se estende numa capilaridade dinâmica, múltipla e radial.

Na Antropologia social é conhecido o chiste de que os insatisfeitos com a sociedade estudam Sociologia, os insatisfeitos consigo mesmo estudam Psicologia e os insatisfeitos com ambos estudam Antropologia. Seguindo nessa direção se poderia acrescentar que os insatisfeitos com tudo estudam Filosofia. Entretanto, isso pode soar como a promessa de obtenção de respostas e verdades definitivas e ainda ser a justificativa da “utilidade” da Filosofia. Aconselho àqueles que estão priorizando a utilidade a se dedicarem a três práticas indiscutivelmente das mais úteis: agricultura, coleta de lixo e enfermagem; postas assim em ordem alfabética dos termos e não segundo sua premência social.

Um dos grandes gênios da Física do século XX, Richard Feynman, perguntou a um jovem físico qual foi a característica do arco-íris que mais se destacou aos olhos de Descartes – o primeiro a explicar a verdadeira origem do fenômeno – para inspirá-lo na sua análise matemática? O iniciante se pôs a narrar que o arco-íris é a parte de um cone que surge como um arco das cores do espectro quando gotas d’água são iluminadas pelo sol e que a inspiração decorria da compreensão de que o problema podia ser analisado a partir de uma única gota d’água e da geometria da situação. Então, Feynman observou que ele estava deixando de lado uma característica fundamental do fenômeno e concluiu: “Eu diria que sua inspiração veio do fato de ele achar que os arco-íris eram lindos”. Eu acho que esta deva ser também a principal motivação do estudo da Filosofia, a contemplação da beleza de sistemas tão surpreendentes como o da Harmonia preestabelecida de Leibniz, ou da argúcia presente no Tractatus logico-philosophicus de Wittgenstein, ou da complexidade e intrincada filosofia do Ser e Tempo de Heidegger, ou ainda, para as almas mais delicadas, o encanto da perfeição árida e sutil da Conceitografia de Frege.

Se você é um desses ... bem-vindo ao jogo!   

Por Aluísio M. von Zuben

Professor da Faculdade Vicentina